Conceito de reincidência com base nos arts. 63 e 64 do CP (Parte 1)
Por Danilo Andreato | 7 de junho de 2021

Conceito de reincidência com base nos arts. 63 e 64 do CP (Parte 1)

O afastamento da primariedade da pessoa advém da análise de, ao menos, dois artigos do Código Penal: os arts. 63 e 64. A conjugação desses dispositivos constitui a estrutura nuclear do conceito legal de reincidência.

De acordo com o art. 63 do CP“verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. Apesar de condenado por diversos delitos, a primariedade do réu estará preservada se os crimes tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da sentença condenatória de qualquer deles.

Se o crime for cometido após a formação da coisa julgada, será possível a configuração da reincidência cujos efeitos jurídicos cessam após 5 anos, como veremos. Para a aferição das consequências da reincidência, não interessa a “magnitude do potencial ofensivo do crime pretérito cuja condenação transitou em julgado” (STJ, 5ª Turma, HC 347.903/SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 10.05.2016). Também não é necessário que o condenado cumpra a pena que lhe foi imposta pela prática do delito anterior, sendo suficiente que haja trânsito em julgado da condenação.

O reconhecimento da reincidência no Brasil não depende da homologação, em nosso País, da respectiva sentença penal condenatória estrangeira. Por si só, o trânsito em julgado da condenação por delito praticado no exterior projeta efeitos para a determinação da reincidência em processos penais brasileiros, a teor do art. 63, CP. Cuida-se de efeito ope legis. Nessa perspectiva, nossa legislação compreende a existência da coisa julgada da condenação criminal proferida por juízo estrangeiro como um fato a ser judicialmente considerado para que dele emanem suas repercussões legais devido ao afastamento da primariedade.

Embora não regulado pelo Código Penal, outro detalhe bastante relevante à aplicação do art. 63 do CP é que a conduta pela qual a pessoa foi condenada no exterior também deve corresponder a delito no Brasil para que aqui ela seja considerada reincidente. Trata-se do princípio da dupla tipicidade ou dupla incriminação. Seria ilógico reputar alguém reincidente em razão de condenação criminal por conduta anterior que, entre nós, é atípica.

Também merece ser recordado que a prática de contravenção penal no exterior equivale a indiferente penal para a Justiça Criminal brasileira. Se o sujeito for condenado definitivamente em solo estrangeiro pela prática de conduta que, no Brasil, corresponda a contravenção penal, essa situação não poderá ser levada em conta para considerá-lo reincidente, caso posteriormente cometa nova infração penal em território brasileiro, conforme prevê o art. 7º do Decreto-lei 3.688/1941: “Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção“.

A adequada compreensão do art. 63 do CP exige a sua leitura conjugada com o inciso I do art. 64 do CP, que estabelece o denominado período depurador, devido à adoção do sistema da temporariedade ou transitoriedade. Para efeito de reincidência, “não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”.

Mas nem sempre foi assim. Diferentemente dos nossos dias, o texto original do Código Penal brasileiro de 1940 adotava o sistema da perpetuidade da reincidência, então regulada nos seus arts. 43 a 47. Quase quatro décadas depois, a Lei 6.416/1977 alterou o CP/1940, que passou a adotar o sistema da temporariedade ao trazer no parágrafo único do art. 46 regra semelhante à qual vigora hoje. Foi esta a redação dada pela lei de 1977: “Para efeito de reincidência, não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos”. A reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984 pela Lei 7.209 manteve esse modelo.

Sobre o art. 64, II, do CP, veja a Parte 2